Os fenómenos sociais em grande escala podem ser compreendidos através dos seus extremos, ou seja: as correntes e as tendências que vão acontecendo em larga escala na sociedade manifestam-se em vários graus, e há sempre um conjunto de pequenos acontecimentos extremos que reflectem uma tendência da sociedade que na sua grande maioria não se reflecte com essa radicalidade. Podem ser considerados como sintomas de qualquer coisa maior e mais subtil que está ligada à sociedade em geral.
Assim, quando existe por exemplo um aumento de sentimentos anti-imigração numa sociedade, apesar de a grande maioria dos cidadãos condenar a violência, há uma pequena minoria que comete actos de violência contra estrangeiros. Ou, quando há na sociedade em geral uma maior dependência da imagem pessoal na auto-aceitação, apesar de na grande maioria das pessoas isso se traduzir apenas em comportamentos moderados como esconder as "banhas" ou investir mais em operações estéticas, uma pequena minoria poderá caír em perturbações como a anorexia.
O que é que isto tudo tem a ver com relativismo e tiroteios nas escolas? Tudo. Existe neste momento uma grande influência do relativismo filosófico na sociedade. É um dos tais movimentos subtis em larga escala que estão neste momento a influenciar a sociedade a um nível global. O relativismo defende... a relatividade. Ou seja, opõe-se à ideia de uma verdade última absoluta que reúna em si, e que esteja para além de, todas as diferentes manifestações da realidade. O relativismo afirma que a verdade é relativa: o que é para mim branco, pode ser visto por outras pessoas como preto; o que é para mim agradável, pode ser visto por outras pessoas como desagradável. Até aqui tudo bem, a subjectividade é uma realidade, e as diferentes perspectivas dos diferentes seres humanos contribuem para uma enorme riqueza na experiência humana universal, sem prejuízo umas das outras.
O problema acontece quando se começa a estender o relativismo cada vez mais em direcção ao centro universal. Assim, o relativismo radical relativiza a própria realidade: como ninguém consegue pôr-se de fora de si mesmo, de maneira a poder observar a realidade dum ponto de vista totalmente neutro, então afirma-se que não podemos ter acesso à verdade, e, por conseguinte, não podemos saber se existe sequer uma verdade, ou alguma coisa que seja comum a todos nós. Afirma-se, por conseguinte, que existem tantas verdades como perspectivas individuais, negando-se a existência de qualquer coisa, por menor que seja, que seja exterior a nós, e que una as nossas diferentes experiências num todo comum. Ou seja, nega-se que exista uma verdade absoluta.
A isto chama-se o relativismo, e é, segundo alguns, o pior dos problemas dos nossos tempos. Este tipo de perspectiva tem impregnado as sociedades e as culturas a todos os níveis, da literatura ao cinema, da política à religião. É transmitida, seja de maneira consciente ou inconsciente, na televisão, nas relações, no lazer, nas empresas, nas escolas. A negação duma verdade absoluta e a apologia de infinitas verdades igualmente válidas está a enraízar-se nas culturas de todo o mundo.
Mas, onde podemos então identificar o relativismo subtil enraízado na sociedade em manifestações minoritárias radicais como as que descrevi acima? Basta ler os jornais: adolescentes a pegarem em armas e a matarem os seus colegas. Se existem várias verdades, se a realidade que apreendo é só minha e não tem relação com a realidade do ponto de vista de outras pessoas, então pelo que me diz respeito, os outros até podem nem ser reais... ninguém me pode vir dizer o que é certo ou errado... não existe sequer um certo ou um errado, a não ser aquele que parte do meu ponto de vista. Então por que não simplesmente ir até à minha velha escola, e, por prazer, dar uns tiros nos meus colegas e professores?
E é então que a própria sociedade que cria as condições para que estas abominações aconteçam, fica estupefacta a tentar compreender como foi possível acontecerem. Só é preciso que abra os olhos...
segunda-feira, 23 de março de 2009
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1 comentário:
Muito bem Sr.Dr.
Abraço
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