sábado, 24 de janeiro de 2009

Liberdade

O mundo não é de ninguém. Não é dos europeus, nem dos africanos, asiáticos, ou quaisquer outros. Não era dos romanos, gregos, hunos, egípcios, nem de nenhuns outros. Não é meu, não é teu, não é das empresas, não é dos políticos, não é dos da moda, nem dos cientistas, nem dos sábios, nem dos padres. O mundo não é de ninguém. Para quem tem fé, o mundo é de Deus. Mas quem sabe como É Deus, para que possa avançar com uma definição de como as coisas devem ser? Ele, o dono do mundo, veio ao mundo como estrangeiro peregrino, sem sítio onde reclinar a cabeça.

E quem diz que o mundo não é de ninguém está também, no fundo, a dizer que não há ninguém que possa definir o que é que deve ou não ser assim ou assado, o que é correcto, o que é melhor ou pior. Ou melhor, pode definir mas não pode impôr a sua definição nem querer que ela seja a definição última das coisas. E isto aplica-se a qualquer área: moral, afectiva, política, artística, etc...

Por isso, se alguma vez te sentes mal porque entras numa sala e as pessoas te olham de lado seja porque não estás vestido como eles gostam ou querem, ou porque não te comportas como eles acham que tem que ser ou querem, ou por qualquer outra razão... relaxa. A maneira deles não faz parte de nenhum guião supremo, é tão válida como a tua. Relaxa!

Quem me conhece, sabe que a liberdade é para mim um tema importante, provavelmente porque a senti cortada ao longo da minha vida, pelos outros: família, sociedade, regras explícitas ou implícitas... Isto tudo tem a ver com a maneira como o poder é gerido nas relações humanas. Sem que tenhamos consciência, há sempre um jogo, ou luta, ou dinâmica (como lhe quisermos chamar) de poder, cujos parâmetros estão constantemente em acção em toda a nossa vida. Se desenvolvermos a nossa atenção, começamos a conseguir captar as maneiras subtis como essas dinâmicas de poder agem na nossa vida nas nossas relações. Calamo-nos aqui ou ali, sentimo-nos na obrigação de dizer isto ou aquilo, demonstramos submissão, aprovação, reprovação, etc., perpetuamos padrões de submissão das pessoas fracas e com elas assumimo-nos como dominantes enquanto com outras assumimos o papel contrário, etc., etc. Tudo isto vai sendo aprendido durante o nosso crescimento.

Mas a descoberta da liberdade é uma coisa linda e grandiosa. Realmente não existe um dono do mundo, todos somos tão donos do mundo como os outros todos. E não existe uma autoridade moral, cada um de nós é a autoridade moral do "seu" mundo. Quando aceitamos uma autoridade moral exterior a nós, estamos simplesmente a usar a nossa liberdade como donos da nossa moral, para adoptar critérios exteriores a nós. O que também é tão válido como outra opção qualquer.

Cada ser humano nasce com o dom da liberdade. Somos filhos do vento, temos o poder de nos definirmos a nós próprios e de dar a nossa própria definição ao mundo. Claro que quem ainda não descobriu a verdade da sua liberdade fundamental, vai estranhar alguém que a tenha descoberto. Vai procurar sinais em nós de conformismo, de submissão às hierarquias políticas, morais e afectivas. Vai estar atento às direcções dos nossos olhares, às nossas expressões faciais, às nossas posturas, e ao verificar que não encontra submissão nem conformismo, mesmo que isso não implique falta de respeito nem agressividade, vai interpretar esses sinais como uma ameaça, e vai tentar impôr-nos as suas hierarquias, seja através do uso explícito do seu poder, seja através do uso indirecto do seu poder (reprovação, punição afectiva, etc.).

Na minha opinião, o poder não deve ser usado desta maneira. Cada um de nós tem direito a ter poder sobre si próprio, mas não sobre os outros. Se quisermos, podemos propôr a nossa maneira de estar aos outros, mas não impôr. Nem explícita nem implícitamente. É muito difícil encontrar pessoas realmente sensíveis a esse tipo de imposição. Pessoas que façam propostas sabendo escutar os sinais de adesão ou não adesão por parte do outro. Pessoas que saibam dar liberdade ao outro de ser si próprio. Pessoas com quem nos sintamos tão livres como quando estamos sozinhos. E as piores imposições não são aquelas feitas com violência, mas sim aquelas feitas subtilmente e utilizando a afectividade como um instrumento para o fazer.

Por acaso, sei de Alguém que é sensível a esse ponto: Deus. Deus, como criador de seres livres, e como criador da própria liberdade, respeita a liberdade até às últimas consequências. Pascal dizia: "Deus revela-se àquele que O busca, e esconde-se àquele que O tenta", ou seja, Deus propõe-se mas não se impõe. E é de tal maneira radical nisso, que se manifestou a nós como objecto de fé - uma coisa em que se pode acreditar ou não - em vez de como objecto de certeza. Deus sabe que no momento em que for uma certeza para nós, deixa de ser uma opção, uma proposta, e passa a ser uma imposição. Por isso, apenas se faz certeza a quem primeiro aceitou a proposta de acreditar na sua existência. Para isso dá-nos sinais (propostas) mas não evidências (imposições). Isto é a sensibilidade mais extrema que se pode encontrar.

É assim o Amor: livre e sensível.

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